Aos 31 de outubro de 1517, Matinho Lutero afixou as 95 teses na
porta da Catedral de Wittenberg, dando início ao movimento que viria a ser
conhecido como Reforma Protestante, donde se originaram, direta ou
indiretamente, as chamadas igrejas evangélicas. O interesse pela Reforma não é
o de um antiquário, mas sim o de verificar a identidade, o significado e a
relevância da mesma para nossos dias, com o propósito de receber inspiração da
fé ali vivenciada. O que Karl Marx teria percebido para declarar algo como
“Lutero venceu a servidão pela devoção, porque ele substituiu a última pela
convicção. Ele quebrou a fé na autoridade, por que restaurou a autoridade da
fé”?
As teses de Lutero representam um marco para a recuperação da sã doutrina. Elas
registram o início da teologia que produziu a reforma na igreja. Embora ainda
fizessem referência a resíduos do romanismo tais como: o purgatório, o papado,
os santos e Maria como mãe de Deus, sem contestá-los a princípio, percebemos,
já nesse momento, as formulações embrionárias das doutrinas que vão
caracterizar a identidade protestante.
De fato, Lutero não elaborou novas doutrinas, mas, numa volta à Bíblia como
fonte de conhecimento teológico e espiritual, elucidou a mensagem consignada
nas Escrituras que se encontrava soterrada sob os escombros da tradição
medieval. Podemos resumir a mensagem da Reforma a alguns postulados:
1. A autoridade das
Escrituras – Sutilmente, durante o período medieval, as
tradições tornaram-se o fator fundamental para determinar os conteúdos da fé e
da moral. Um monte de entulho asfixiou a mensagem bíblica. A Reforma resgatou e
restabeleceu a Escritura como fonte suprema e final quanto ao conhecimento de
Deus e da sua vontade, para o indivíduo e para a igreja.
2. Justificação pela graça
mediante a fé – Contestando a compreensão romanista de salvação
por mérito pelas obras, que tinha como símbolo distintivo a venda de
indulgências (compra do perdão) a Reforma resgatou o ensino bíblico de que a
salvação (perdão, aceitação diante de Deus e santificação) é concedida
gratuitamente por Deus àqueles que confiam em Jesus como seu salvador. A
salvação não pode ser comprada, mas procede da misericórdia de Deus para com o
pecador que se volta para a cruz de Jesus.
3. A centralidade de Cristo –
A igreja romana enalteceu o papa como cabeça da igreja e
representante terreno da esfera celestial. Também Maria e os santos eram
mediadores e intercessores junto a Deus. A reforma acentua que Cristo é o único
mediador entre Deus e os homens. Só ele tem poder para efetivamente perdoar
pecados. A sua obra na cruz é suficiente e exclusiva para a nossa salvação. É
Ele que intercede junto a Deus, como advogado, por aqueles que Nele confiam.
4. Sacerdócio de todos os
crentes – Contrastando com o ensino de que somente a hierarquia
da igreja (o clero) constitui o sacerdócio autorizado para representar a Deus
diante dos homens e vice-versa, a Reforma ensina o sacerdócio universal, isto
é, que todos podem comparecer diante de Deus, estudar a sua palavra e ser
agentes a seu serviço. A Reforma, conquanto reconheça vocações eclesiais
específicas, afirma que todo o povo de Deus é igreja, uma igreja onde todos são
chamados a servir a Deus.
Com essas e outras afirmações, os reformadores conseguiram minimizar o
distanciamento da igreja medieval do modelo observado no Novo Testamento.
Conquanto a obra da reforma não tenha sido completa – e os descendentes
espirituais da reforma compreendam que a igreja reformada está constantemente
se avaliando à luz do padrão bíblico – a Reforma continua sendo um marco para
uma genuína identidade evangélica, em meio ao conturbado contexto religioso
contemporâneo.
Essas doutrinas provocaram uma enorme transformação social porque, na verdade,
foram a plataforma para a libertação pessoal diante de Deus.
• Christian Gillis
é pastor na Igreja Batista da Redenção, membro do Conselho Gestor da Aliança
Evangélica e coordenador em Minas Gerais da Fraternidade Teológica
Latino-Americana/ Setor Brasil. Twitter:
@prgillis
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