sexta-feira, 4 de julho de 2014

A ÁRVORE E A FLORESTA DE UMA COPA DO MUNDO [Autor Américo Marques Ferreira]


Gostaria de compartilhar cinco lições que aprendi com base em minha vivência de 16 edições de Copas do Mundo, de 1954 a 2014.

Ao fazê-lo, procurei contrapor as perspectivas de uma visão comportamental (ÁRVORE) com uma análise à luz de princípios (FLORESTA), utilizando a metáfora contida no título.

Esclareço que escrevi este texto na véspera da partida entre Brasil e Colômbia, a fim de não me deixar contagiar pelos extremos do ufanismo, em caso de vitória, ou da procura por bodes expiatórios, em caso de derrota.

Acrescento ainda que as frases estão dispostas numa sequência de raciocínio complementar, portanto, desprovidas de qualquer escalonamento de importância.

1ª LIÇÃO

ÁRVORE: meu comportamento como torcedor em uma Copa do Mundo tem sido influenciado por posturas BINÁRIAS (do tipo 0/1 da linguagem de computador), DICOTÔMICAS (do tipo tudo ou nada), MANIQUEÍSTAS (do tipo bom ou mau) E SECTÁRIAS (do tipo nós versus eles).

FLORESTA: “Até um relógio parado, duas vezes por dia está certo”. Ou seja, há que se flexibilizar as posturas acima descritas a fim de evitar o acirramento dos ânimos que tende a estimular a rivalidade e a violência entre pessoas e torcidas de diferentes nacionalidades. Afinal, é de se esperar que seres humanos civilizados possam conviver num clima de cordialidade mútua, respeitando a riqueza e as especificidades da
diversidade cultural contida nos diferentes hábitos e costumes dos povos ao redor do mundo. Quem sabe assim, veremos algum dia a concretização da profecia de Isaias “O lobo e o cordeiro pastarão juntos” através da coexistência pacífica, por exemplo, entre argentinos e brasileiros.

2ª LIÇÃO

ÁRVORE: Durante as Copas do Mundo que vivenciei, tive a tendência a adotar comportamentos que me levaram a superestimar a importância do Brasil ter conquistado os cinco títulos de campeão, como compensação a carências e dificuldades enfrentadas no contexto nacional. Em contrapartida, nas edições em que perdemos a Copa, senti uma profunda frustração que me fez buscar mecanismos de defesa para lidar com o desgosto da derrota.

FLORESTA: Ao deixar-me dominar por acontecimentos pontuais e aleatórios, entrego o controle de minha vida a fatores nos quais não tenho qualquer influência, abrindo mão de fazer escolhas na posição de protagonista de minha história. Passo, então, à condição de mero prolongamento de variáveis externas, flutuando ao sabor dos ventos das circunstâncias.

3ª LIÇÃO

ÁRVORE: Eventos como a Copa do Mundo, tendem a ser utilizadas como forma de manipulação de comportamento, no estilo de PÃO E CIRCO implantado pelo Império Romano, que servia para alienar o povo dos reais problemas, em troca da anestesia oferecida pelos espetáculos nas arenas da época. Em decorrência da continuidade da exploração deste modelo histórico, percebi que esquecia as situações adversas, tanto pessoais como conjunturais, pelo transitório prazer oferecido por uma Copa do Mundo, a exemplo do que ocorre também em vários outros eventos, esportivos ou não.

FLORESTA: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa imaginar a nossa vã filosofia” (Shakespeare) Apesar de cultivar momentos de descontração e divertimento, aprendi que é importante o exercício de minha consciência crítica a fim de encarar os acontecimentos macro conjunturais, sem me deixar manipular por pessoas, governos e organizações que exploram tais eventos em benefício de interesses escusos. Vide o ocorrido em nosso país, por exemplo, com a construção de 12 arenas que consumiu verbas astronômicas, permitindo a malversação do dinheiro público, em detrimento da solução de reais problemas e carências enfrentadas pela população brasileira. Acresça-se a agravante de que, pelo menos, quatro dessas arenas se tornarão verdadeiros elefantes brancos após o encerramento desta Copa.

4ª LIÇÃO

ÁRVORE: A sociedade de consumo tende a estimular necessidades artificiais que levam pessoas, famílias e a população de um modo geral a canalizar seus recursos limitados na busca de prazeres momentâneos e ilusórios. Basta observar a mobilização de milhares de pessoas que se deslocam de seus paradeiros de origem durante uma Copa do Mundo, exigindo um elevado nível de gasto pessoal para atender a viabilização de tal programa.

FLORESTA: “Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso suor, naquilo que não satisfaz?” (Isaias 55:2) Este texto oferece um princípio que nos permite distinguir entre o essecial e o supérfluo. Algumas vezes presenciei extensas filas que se formam na porta de casas lotéricas, às vésperas um grande prêmio acumulado. Ao observar mais atentamente o semblante e o modo de se vestir daquelas pessoas, percebi serem, em sua maioria, gente do povo, trabalhadores sem grandes recursos que acalentam o sonho de mudar de vida de um dia para o outro. Dando asas à imaginação, fico pensando na frustração do dia seguinte quando tudo volta ao cenário original. Porém, tal sentimento parece que realimenta a utópica esperança a ponto de fazer com que essas pessoas continuem encarando filas intermináveis para fazer suas apostas, sem nenhuma garantia de satisfação. Concluo refletindo se não seria melhor se as mesmas depositassem aquele dinheiro do jogo numa caderneta de poupaça, ou ainda, se o canalisassem para a melhoria real da alimentação e o conforto em suas famílias.

5ª LIÇÃO

ÁRVORE: Muitas vezes percebi que estava adotando o mecanismo de projeção-identificação, ao me imaginar na pele de atletas que disputam uma Copa do Mundo. Tal fenômeno costuma ser estimulado pelos diversos veículos de comunicação, e até explorado por empresas patrocinadoras, a ponto de instalar fenômenos de idolatria e tietagem. Em nosso país, por exemplo, durante uma Copa do Mundo, respira-se futebol 24 horas por dia, como se fora um espetáculo de Big Brother.

FLORESTA:Quando clamares, a tua coleção de ídolos que te livre! Levá-los-á o vento; um assopro os arrebatará a todos, mas o que confia em mim (diz o Senhor Deus) herdará a terra e possuirá o meu santo monte.” (Isaias 57:13). Parece que a condição de celebridades desfrutada por jogadores como Neymar, Messi, e Muller, para citar apenas alguns, proporcionam uma experiência de mimetismo, na qual, a felicidade de uns poucos é absorvida por muitos como se fosse condição para ser realmente desfrutada por todos. Em tal contexto, aos ídolos tudo é permitido, uma vez que de sua realização depende a ilusória sensação de conforto e prazer de todo um povo. Por outro lado, é fácil constatar como é efêmera a condição de um ídolo, caindo no esquecimento pouco tempo depois de atingir os pincaros da gloria e o auge da fama, seja por decadência no exercício de sua arte, seja pela inexorável marcha do tempo.

Américo Marques Ferreira
03 de julho de 2014

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